Trabalho, Território e Clima: Povos tradicionais da Amazônia no centro do debate jurídico

Com o objetivo de debater os efeitos da crise climática nas formas de trabalho dos povos tradicionais da Amazônia, o Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região (PA/AP) promoveu o seminário “O Efeito das Mudanças Climáticas no Trabalho Realizado por Indígenas, Quilombolas e Ribeirinhos da Amazônia – À Luz da Convenção 169 da OIT” nesta sexta-feira, 27. O evento foi realizado pela Escola Judicial da 8ª Região (Ejud-8), com apoio do Grupo de Trabalho Políticas Públicas e ODS na Amazônia, e integra a programação do Tribunal em preparação para a COP30.
A presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região (TRT8), desembargadora Sulamir Palmeira Monassa de Almeida, abriu os trabalhos do seminário e, diante da relevância do tema, solicitou que fosse produzido um documento com os principais pontos debatidos, a ser entregue aos organizadores da COP30. “Estamos em um momento histórico, às vésperas da COP30, e as comunidades, a sociedade e os cientistas da Amazônia precisam ser ouvidos. Um seminário como esse, que reúne tantos especialistas e estudiosos da nossa realidade e que fazem parte da Amazônia, traz estudos e reflexões importantes. Por isso pedi que fosse feito um documento para que nós possamos enviar, como Tribunal da Justiça Social do Brasil, às autoridades da conferência. É a nossa região e é a nossa realidade que precisa fazer parte das discussões e decisões”, reforçou a presidente.
Programação
Durante o seminário, foram realizadas cinco palestras com a participação de especialistas reconhecidos na área. A desembargadora do TRT-8, Suzy Elizabeth Cavalcante Koury, conselheira da EJUD8 e responsável acadêmica pelo evento, destacou a importância de reunir pesquisadores e professores amazônidas para discutir a região. “Tem me incomodado muito o fato de pessoas que não conhecem a região, os seus desafios e realidades, falarem da região na condição de especialistas. Neste seminário vamos discutir as questões relativas à Amazônia pela nossa ótica e com pesquisadores que são daqui e conhecem a nossa realidade”, ressaltou.
A Profª. Dra. Natália Mascarenhas Simões Bentes (CESUPA) abriu a rodada de palestras com a temática “O Direito dos Povos Indígenas e a Convenção 169 da OIT: a atuação da Clínica de Direitos Humanos do CESUPA no atendimento aos povos indígenas da etnia Warao”. “O nosso maior propósito dentro da Clínica é a regularização da situação dos refugiados e a inserção deles no mercado de trabalho, porque a situação deles ainda é de grande vulnerabilidade frente a um sistema brasileiro de refúgio ainda bastante burocrático”, destacou.
A Profª. Dra. Aline Maria Meiguins de Lima (UFPA) abordou a “Vulnerabilidade e exposição das cidades marginais aos rios e as condições de risco hidrológico”. “Hoje temos estudos suficientes na Amazônia para identificar, com antecedência, os fenômenos naturais extremos e atuar para mitigar os efeitos e tornar as comunidades mais resilientes a esses impactos. Falta vontade política para estipular políticas públicas nessa direção”, ressaltou.
Trazendo essa mesma preocupação, em antecipar os efeitos do aumento das temperaturas, o Prof. Dr. Everaldo Barreiros de Souza (UFPA) falou sobre “Mudanças Climáticas Atuais na Amazônia e a Análise de Risco Municipal em Cenários Futuros de Aquecimento Global”. “Estamos comprovando com dados científicos que a temperatura do planeta só vem aumentando ao longo dos últimos anos. Para diminuir os riscos no futuro, temos que combater o desmatamento. Esse é o único modo de mitigar as altas temperaturas e os fenômenos extremos”, explicou.
Já o Prof. Dr. Almires Martins Machado (UFPA), que também é indígena, destacou a importância de reconhecer que “A ecologia somos nós”. “Estamos falando de uma questão de pertencimento, de uma ligação umbilical com a floresta. A terra é a mãe com a qual temos laços existenciais e de conexão e, sob esse ponto de vista, não pode ser vendida e nem destruída, porque estaríamos atacando a nossa própria existência”, reforçou.
A Profª. Dra. Eliane Cristina Pinto Moreira Folhes (UFPA) encerrou a programação com a palestra “Justiça Climática e Direitos Humanos Socioambientais”, refletindo sobre o caminho que queremos construir para a Amazônia. “Já estamos sentindo os efeitos da crise climática, em especial as populações em situação de maior vulnerabilidade. E sabemos do papel fundamental da Amazônia, que já se apresenta como uma encruzilhada — de um lado, temos os problemas e desafios; do outro, a solução para um dos maiores problemas da humanidade, que é a crise climática. Precisamos escolher qual o caminho que queremos seguir, que seja um 'Guataporã', como dizem os indígenas, um caminho bonito”, destacou.
Lançamento de livro
Durante o evento, foi lançado o livro COP30 – Por um Tribunal de Justiça Ambiental da Pan-Amazônia, de autoria do desembargador Raimundo Itamar Lemos Fernandes Júnior, diretor da Ejud-8. O lançamento aconteceu no Foyer da Escola Judicial.
O desembargador contou que o livro aborda uma visão das instituições pan-amazônicas como organismos internacionais e a necessidade de fortalecê-las, sobretudo do ponto de vista jurisdicional, criando um tribunal que possa de fato combater os ilícitos ambientais e promover integração.
“Nós temos uma organização do Tratado de Cooperação Amazônica, com sede no Brasil, que reúne os outros oito países pan-amazônicos. Nós analisamos no livro a necessidade de fortalecimento desse tratado, com a criação de um tribunal que possa, de fato, combater esses ilícitos ambientais e executar sentenças de modo internacional, porque hoje muitos desses criminosos ultrapassam fronteiras e permanecem impunes. Por conta disso, já existe o início de um trabalho concentrado no Brasil. A ideia é fortalecer essa estrutura existente para que possamos ter essa integração e esse combate efetivo desses ilícitos, que é essencial para manter a floresta em pé”, explicou o desembargador.
O autor também publicou artigos em diversas revistas de circulação nacional. É autor dos livros O Direito Processual do Trabalho à Luz do Princípio Constitucional da Razoável Duração (2008) e Teoria da Jurisdição Internacional (2023), ambos pela LTr-SP, além de coautor da obra Sentenças Trabalhistas (RJ, Elsevier, 2010).