Seminário no TRT-8 debateu a relação entre trabalho infantil e emergências climáticas

No Brasil, foram registrados 1.161 desastres naturais, apenas em 2023. Destes, 716 estavam associados a eventos hidrológicos (como a erosão de rios) e 445 tiveram origem geológica (como os deslizamentos de terra). Esse número supera os de 2020 e 2022, o que indica uma tendência de aumento dessa frequência. As inundações têm se tornado frequentes em vários estados. E os governos não têm se preparado para essas inundações, tampouco para as secas, como vem ocorrendo nos rios da região Norte.
“A partir desses desastres, percebe-se o êxodo das pessoas, especialmente crianças e mulheres, que assim acabam tendo atividades nas suas piores formas”, apontou Katerina Volcov, secretária executiva do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI), durante o Seminário Nacional de Enfrentamento ao Trabalho Infantil, realizado na última quarta-feira, 25, no Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região (Pará e Amapá), reunindo governo, especialistas e sociedade civil.
A mesa em que Katerina atuou como mediadora debateu especificamente sobre “Trabalho Infantil e Mudanças Climáticas”, recebendo Iremar Ferreira, do Fórum Mudanças Climáticas; Luciana da Mata, gerente de comunicação do Instituto Peabiru; e Vitório Ferreira, coordenador de comunicação digital do Observatório do Marajó. Este último abriu a mesa desmistificando a ideia de que o trabalho infantil no Marajó é cultural. “Quando eu era criança, brincava, estudava, lembro da minha mãe fazendo um grande esforço para a gente nunca trabalhar na roça, no açaizal ou qualquer outro trabalho para sustentar a família”.
Em sua fala, Luciana também destacou que no meio onde a subsistência está ligada à agricultura familiar, por exemplo nas plantações de açaí, quando se ensina a criança e o adolescente a pegar açaí não é para comercializar, mas para se alimentar. “É a pressão de mercado, as mudanças climáticas, a falta de políticas públicas que resguardem os direitos dessas infâncias, que têm trazido para dentro desse cenários as violações de direitos. Se a gente não fala de proteção da família, da criança e do adolescente, qualquer produto comercializado de dentro da floresta passa por isso [o trabalho infantil]”.
Luciana ainda compara: “Sabe que outro tipo de família cria seus filhos para assumir os negócios? O filho do fazendeiro. Ele deixa de ir para escola, de fazer sua aula de natação, seus cursos complementares, sua viagem para o Exterior nas férias? Não. Mas ele vai também para o campo para aprender o que o pai tem a passar porque futuramente ele vai herdar tudo da família. E isso não é problematizado como trabalho infantil porque o direito à educação, à saúde, ao lazer é completamente priorizado”.
Vitório então reforçou como a falta de políticas públicas é o que empurra essas famílias para situações em que a subsistência é ameaçada e as infâncias são substituídas pelo trabalho. Sendo uma delas, a falta de políticas públicas voltadas às mudanças e emergências climáticas. Diversas imagens de igrejas, escolas e casas submersas pelas águas dos rios no Marajó, em cidades como Anajás e Bagre, coletadas pelo Observatório do Marajó, foram mostradas ao público, sendo apontadas como tragédias anunciadas.
“Durante o ano passado, o Observatório enviou uma carta de recomendação para todas as prefeituras do Marajó, meses antes do verão amazônico, com um compilado de assinaturas de lideranças, mostrando estratégias que poderiam ser tomadas para a população não viver momentos críticos no verão. Orientações de monitoramento, fiscalização, alertas de incêndio, um calendário de queimadas. Só uma prefeitura deu retorno e o que a gente viu foi cidades inteiras cobertas de fumaça, teve casa queimada, plantações perdidas. Como essas crianças vão ter seus direitos respeitados, ter acesso a coisas básicas, quando mudanças climáticas chegam e alteram tudo na realidade delas? Só um exemplo: as escolas de Bagre ficaram interditadas por meses porque ficaram submersas”.
O jovem líder comunitário reforça que o trabalho infantil no Marajó não é algo cultural, mas resultado dessa falta de políticas públicas adequadas à realidade local. “Em 2022, participei da COP 27, onde um relatório apresentado pela Unicef apontava que os mais impactados pelas mudanças climáticas são as crianças e os adolescentes, e mais ainda onde a agricultura familiar é a principal fonte de renda. Imagine, no Marajó, onde tivemos casas de farinha alagadas, plantações inundadas, algo que não acontecia, e com as mudanças climáticas agora acontecem. Uma família cria, faz plantação inteira para sustentar sua família e uma grande chuva destrói tudo. A família precisa criar estratégias para sobreviver. Então a gente precisa responsabilizar quem tem que ser responsabilizado”.
Iremar Ferreira apontou os grandes projetos vendidos midiaticamente como grande passo para o desenvolvimento, mas que acabam colaborando para esse impacto na vida de milhões de famílias, tendo na ponta, crianças e adolescentes. “Estamos vivenciando no Rio Tocantins, em Marabá, o licenciamento de hidrovia, o derrocamento do Pedral do Lourenço, que afeta milhares de famílias de pescadores, e isso não está sendo levado em consideração”, exemplificou. “Pensasse que como rio não precisa de licenciamento para navegar, mas precisa. O descaso com o direito ao ambiente sadio é colocado abaixo por uma lógica puramente comercial”.
Apenas o deslocamento em si, pode ter grandes impactos sociais, como também foi colocado por Vitório. “Eu concluí o Ensino Médio na minha comunidade, mas minha mãe nunca concluiu porque não tinha na época dela e quando teve, ela já tinha filho e não conseguiu voltar para escola. Ela viveu a realidade que muitas comunidades marajoaras ainda vivem, em que você precisa deixar a comunidade para ter acesso a direitos básicos, como hospital e escola. É romantizado que você vai crescer no território e vai chegar o momento de você sair. E não é isso que a gente quer, queremos ter acesso a tudo, inclusive a tecnologias, dentro da comunidade. Para mim ainda é muito desconfortável viver em Belém, uma mudança que fiz há três anos para ter acesso a cursos que eu gostaria de ter no meu território, sem ter que passar por esse rompimento brusco que é vir para Belém”.
Texto: Lais Azevedo/Secom TRT8
Foto: Camila Souza/Secom TRT8