Nos 37 anos da CF, CNJ conta bastidores da constituinte através das memórias do jurista José Afonso da Silva

Neste domingo (5/10), o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publica a última matéria da série em comemoração aos 37 anos da Constituição Federal. Por 19 meses, ao longo da Assembleia Constituinte de 1988, 594 parlamentares, entre titulares e suplentes, trabalharam para elaborar o texto que ficou conhecido como a Constituição Cidadã. Ao estabelecer as bases jurídicas do Estado Democrático de Direito, a nova Carta Magna norteou o desenvolvimento de um Brasil mais inclusivo e justo.
Hoje com 100 anos, o jurista José Afonso da Silva foi um dos nomes centrais na elaboração da CF de 88. Assessor jurídico da Assembleia Nacional Constituinte, ao lado de representantes de diferentes áreas do conhecimento e setores da sociedade, participou da Comissão Afonso Arinos que elaborou o anteprojeto do texto. Em entrevista à Agência CNJ de Notícias, ele falou sobre a construção da Constituição Cidadã.
Durante os trabalhos da Assembleia Constituinte, houve alguma inspiração internacional que tenha influenciado o texto da nossa Constituição?
Sim, nos mais importantes foram os tratados e acordos de direitos humanos. Pena que os governos, em diversos casos, tenham retardado a publicação de seus decretos executivos. As constituições portuguesa, espanhola, italiana e alemã também influenciaram ou foram fontes de normas da Constituição de 1988, sobretudo, as respectivas declarações de direito. Dignidade da pessoa humana com fonte no art. 1º da Lei Fundamental da República Federal Alemã; a medida provisória veio da Constituição italiana; a declaração de inconstitucionalidade por omissão, da Constituição portuguesa.
Quais foram os momentos mais tensos ou emocionantes durante os debates? Há algum episódio que o tenha marcado profundamente — seja pela dificuldade, pela beleza do diálogo ou pela conquista de um consenso?
Os momentos mais tensos nos debates foram sobre a reforma agrária e a pena de morte. Em ambos os casos, Mário Covas foi o grande orador [nesses temas]. Sua condenação da pena morte foi um momento marcante, assim também foi seu belo discurso para conquistar a liderança do PMDB na Assembleia Constituinte, liderança que ele exerceu com tal competência que conseguiu um resultado progressista numa Assembleia Constituinte de maioria conservadora.
Assessor jurídico da Assembleia Nacional Constituinte, José Afonso da Silva acompanhou de perto a elaboração do texto constitucional – Foto: Faculdade de Direito da USP
Qual artigo ou princípio constitucional lhe dá mais orgulho de ter participado da elaboração?
Primeiro, a instituição do Estado Democrático de Direito (CF, art. 1º), com seus incisos que prescrevem princípios fundamentais, como a dignidade da pessoa humana. Depois, a criação do habeas data (CF, art. 5º, LXXII). De mais importância, contudo, foi a estruturação normativa tal como nas constituições modernas, dando primazia aos princípios e direitos e garantias fundamentais (arts. 1º e 5º).
A Constituição de 1988 ficou conhecida como Constituição Cidadã. O senhor se emociona ao ver esse reconhecimento? Esse era o espírito que o senhor imaginava quando colaborou com sua elaboração?
Posso afirmar que sim, porque esse é o mesmo espírito que plasmei no Anteprojeto de Constituição que apresentei à Comissão Afonso Arinos, por ela acolhida como base de discussão constitucional.
Se o senhor pudesse incluir um novo artigo hoje, que ainda não existe, qual seria?
Depois de tantos anos de vigência da Constituição essa formulação não seria tão simples, mas seriam artigos que procurassem concretizar ainda mais a igualização dos desiguais.
Por fim, que conselho o senhor daria aos jovens juristas e constitucionalistas que desejam defender a Constituição e manter vivo o seu espírito democrático?
Estudar a Constituição e o Direito Constitucional e a teoria geral do direito, sempre consultando bons autores com anotações organizadas e estimular cada vez mais vivo o seu espírito democrático.
*Texto: CNJ