Com ampliação do acesso à Justiça, Constituição fortaleceu a cidadania no Brasil

A Constituição Federal de 1988 transformou o Judiciário em um instrumento de garantia de direitos. A sétima Carta Magna brasileira foi batizada de Constituição Cidadã por ter ampliado e consolidado direitos e garantias fundamentais dos cidadãos e por ter ajustado o sistema de Justiça em um instrumento de cidadania ativa.
Ao celebrar 37 anos de sua criação no próximo domingo (5/10), autoridades, juristas e acadêmicos convergem na avaliação de que, ao consagrar o princípio da igualdade, a Carta Magna brasileira é um marco do acesso universal e gratuito à justiça.
Uma das maiores autoridades do país em Direito Constitucional, o professor titular do Departamento de Direito da Universidade de São Paulo (USP) José Afonso da Silva participou ativamente da redação da Constituição Federal de 1988. Ele foi um dos assessores jurídicos da Assembleia Constituinte. Aos 100 anos, o jurista que ajudou a construir diversos pilares da Carta Magna conta qual artigo lhe dá mais orgulho de ter ajudado a criar.
“Com certeza, a instituição do Estado Democrático de Direito (art. 1º), com seus incisos que prescrevem princípios fundamentais, como dignidade da pessoa humana. Depois, a criação do habeas data (art. 5º, LXXII). De maior importância foi a estruturação normativa tal como nas constituições modernas, dando primazia aos princípios e direitos e garantias fundamentais (arts. 1º e 5º)”, revela. O jurista revela que se pudesse fazer um novo artigo, “buscaria priorizar a concretização da igualização dos desiguais”.
E é o espírito igualitário, que busca a redução dos abismos sociais, que mais transparece na Constituição Cidadã. Antes de 1988, o acesso à Justiça era restrito e marcado por desigualdades. Um caso de homicídio no interior do país, por exemplo, poderia ser julgado sem defesa técnica adequada, com base em provas frágeis e sem garantia plena de direitos. Os altos custos processuais limitavam a atuação judicial a poucos.
Defensoria Pública
Na avaliação do jurista Lenio Luiz Streck, existe uma Justiça antes e depois da promulgação da Constituição de 1988, assim como um novo país depois dela. À época da Assembleia Constituinte, um jovem advogado engajado na mobilização social — tendo realizado palestras para diversos grupos com o objetivo de conscientizar a população sobre o papel do voto na construção de uma Constituição democrática —, Streck avalia que o resultado daquele processo foi, de fato, a elaboração da Carta mais democrática do mundo.
Apesar das claras pretensões de transformação social, ele destaca que ainda se enfrentam desafios em acessar a justiça. “No crime, o braço forte do direito penal alcança mais facilmente pretos, pobres e periféricos. Isso é fato. No direito civil, pessoas com advogados mais qualificados tendem a ter mais vantagens nas disputas. O acesso à justiça é um problema estrutural no Brasil. Enquanto for um país periférico e desigual, sofreremos os efeitos colaterais desse fenômeno”, disse.
A consolidação do acesso está presente em vários instrumentos criados ou aperfeiçoados a partir da Constituição. O coordenador da Comissão de Litigância Estratégica em Direitos Humanos do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), Carlos Nicodemos, diz que a previsão de assistência jurídica gratuita, o entendimento que a advocacia é indispensável para a administração da Justiça, assim como o fortalecimento da Defensoria Pública democratizaram o Judiciário.
“Antes, cabia aos estados, dentro das suas condições – muitas vezes precarizadas –, criar mecanismos de acesso a pessoas humildes. Essa situação prejudicava quem não tinha condições de pagar por sua defesa. Hoje, o acesso é universal e garantido a todos cidadãos, inclusive pela Convenção Interamericana de Direitos Humanos da OEA, que exige que os Estados-membros ofereçam acesso à juízes ou à tribunais para o questionamento de atos que infrinjam leis ou a própria Convenção”, explica Nicodemos.
A criação do CNJ, em 2004, em sua avaliação, manteve o espírito democrático em sua essência. “Foi um desdobramento dessa nova arquitetura constitucional, com o objetivo de promover maior transparência, eficiência, assim como promover na Justiça a harmonização das leis internas com os tratados internacionais”, diz. Entre as iniciativas do Conselho estão ações como o Programa Justiça Itinerante, as políticas de inclusão digital e os mutirões carcerários.
Para se ter uma ideia do alcance dessas iniciativas, em 2023, durante o Mutirão Processual Penal, o órgão garantiu a libertação de 21 mil pessoas presas indevidamente, após revisão judicial com base na Constituição, tratados internacionais e decisões do Supremo Tribunal Federal (STF).
*Texto: CNJ