Mães trabalhadoras: esforço invisível, problemas visíveis 

Uma reflexão sobre o papel da mulher na sociedade
A arte gráfica mostra uma mulher com um bebê no colo. Ela coloca a mão no rosto, preocupada e cansada. Ao redor da cabeça aparec
Descrição de imagem: A arte gráfica mostra uma mulher com um bebê no colo. Ela coloca a mão no rosto, preocupada e cansada. Ao redor da cabeça aparecem ícones que representam, lar, emprego e cuidados de mãe. Ao lado está a frase “mães trabalhadoras invisíveis”. Abaixo, vem o logotipo do TRT-8.

No mês de maio, em que se celebra o trabalho e também as mães, o TRT-8 faz uma série de reflexões acerca do papel dessa mulher no mercado de trabalho, como é vista e como a figura da mulher mãe trabalhadora tem a sua percepção construída pela sociedade nessa trajetória de construção de direitos. Neste primeiro momento, a Secretaria de Comunicação (Secom-8) entrevistou uma especialista, Lia Maia, advogada e autora de livro sobre o tema, fruto de sua dissertação de mestrado pelo Centro Universitário do Estado do Pará (Cesupa).

Como bem sabemos, a chegada de filhos causa impactos diferentes entre homens e mulheres. No ambiente de trabalho eles costumam ser recebidos com entusiasmo no retorno da licença-paternidade. Elas, por sua vez, precisam encarar o medo de perder o emprego após o fim da licença remunerada garantida por lei. E, infelizmente, o cenário do trabalho no Brasil mostra que não é uma insegurança infundada. Em muitos casos é a certeza de que a realidade nunca mais será a mesma. 

No ambiente doméstico, o trabalho das mães é “invisível”. O problema é profundo e com raízes nos conceitos, criados pela cultura, do que é ser homem e mulher. “O cerne está justamente na divisão de tarefas e nas definições de trabalho produtivo e reprodutivo”, afirma Lia Maia, advogada especialista em Direito Processual e Material do Trabalho e autora do livro “A Valorização do Trabalho Reprodutivo como Desafio à Igualdade de Gênero”.

Limpar a casa, fazer comida, lavar roupa, cuidar dos outros - seja do companheiro, filhos ou idosos - são tarefas impostas às mulheres ao longo da história. Teoricamente, a mulher teria mais aptidão, por ser mais cuidadosa. Ou seja: fazem “por amor”. Segundo a advogada, essas ideias são propagadas na sociedade para que este trabalho não seja remunerado. 

Quando a mulher não pode exercer essas missões dentro de casa “contrata outra pessoa, geralmente outra mulher e mais vulnerável, periférica, perpassando ainda a questão da raça”, ressalta. Isso mostra, segundo Lia, que o trabalho doméstico, mesmo quando remunerado, agrega outros problemas. “São mulheres que deixam seus filhos em casa para cuidar dos filhos dos outros. Para viabilizar esse trabalho, elas recebem apoio de outras mulheres: uma vizinha, uma mulher mais nova… Isso resulta em uma cadeia de mulheres sendo prejudicadas”, pontua. 

 

Tempo - Tarefas domésticas costumam ser exercidas por mulheres desde a infância. Ao longo da vida, essa imposição rouba o tempo em que elas poderiam se qualificar ou buscar emprego melhor. Lia aponta que a escassez de tempo é muito pior entre mulheres periféricas e de classe média. E quanto menos acesso a recursos, mais tempo é gasto com afazeres domésticos. A escassez traz impactos no descanso, no lazer, na profissionalização. E torna mais difícil alcançar a vida que deseja. 

É comum a expressão dupla jornada de trabalho para definir a rotina de mulheres com emprego que também são responsáveis pelas tarefas do lar. No caso das mães, o termo mais adequado é tripla jornada. São trabalhadoras que precisam encarar um mercado que valoriza mais os homens, “como se eles fossem mais aptos para as atividades produtivas”, explica a especialista. Entre os exemplos, segundo ela, está a diferença entre as licenças dos pais e mães. A mulher fica mais tempo em casa e os homens voltam rapidamente ao mercado para serem “provedores”.

Citando Simone de Beauvoir, escritora ícone do pensamento feminista, a advogada destaca a ideia do “destino biológico” das mulheres de reproduzir. Quanto mais a idade avança, “mais o mercado de trabalho fica de olho. ‘Será que ela vai ter filho?’”, observa.

São comuns os casos em que trabalhadoras são demitidas logo após sair do período de licença. Segundo a especialista, os empregadores consideram que a mulher passa a ter foco em outras coisas e “não está mais apta a fazer o trabalho que sempre fez”. Ela conta que isso acontece até no meio acadêmico onde, até 2021, não era possível incluir informações de licença-maternidade no currículo Lattes -  que é uma modalidade destinada a estudantes e pesquisadores. Lia explica que, anteriormente, a lacuna curricular das mães era vista com maus olhos no mundo acadêmico. 

 

Dilema - A advogada diz ainda que as mulheres são criticadas independentemente da escolha. Tanto as que ficam em casa para cuidar dos filhos quanto as que voltam para o mercado de trabalho. Nem durante a gestação há sossego, pois enfrentam os “fiscais de gravidez”.

“Dizem que, quando nasce uma mãe, nasce uma culpa. Isso acontece porque é muito permitido socialmente que as pessoas deem pitacos. Se a mulher gera filhos muito nova, dizem que não vai se formar. Se deixar para depois dizem que não vai ser a mãe do próprio filho, pois estará muito velha. A questão é que o tempo nunca é bom”, critica a advogada.  

 

Caminhos - Lia Maia acredita que a mudança desse contexto começa pelo reconhecimento de que mulheres são afetadas de formas diferentes, de acordo com os recortes sociais. Também inclui a divisão igualitária das tarefas, que deve ser incentivada pelo Estado, pela mídia, nas casas. “Tem de ser um projeto”, afirma. A mudança, como ela pontua, pode vir de atitudes simples, como parar de “endeusar” homens que desempenham cuidados com os filhos que geralmente são atribuídos às mães.

Ela destaca que o tema é citado entre os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, definidos pela Organização das Nações Unidas (ONU). Dentro da igualdade de gênero, uma das metas é mudar o cenário do trabalho reprodutivo, que não é pago nem valorizado.

A mudança pode vir através de políticas públicas, como a ampliação de restaurantes comunitários e creches, ou da criação de lavanderias públicas. Medidas que, segundo Lia, tiram o peso de algumas tarefas domésticas para que não recaiam sobre as mulheres. 

Também é importante investir em infraestrutura, como saneamento e transporte eficazes. Outra medida é dar descontos para eletrodomésticos da chamada linha branca, que agilizam as tarefas do lar, como micro-ondas, máquina de lavar roupas e cafeteira.